Capítulo I
Amistade Fierro em A Invenção da Amizade
“— Eu só não tinha me dado conta de que estava na presença de um milagre. Amizades como a de vocês são uma em um bilhão. Vocês tiveram uma sorte dos diabos — os dois.”
Padre Jared Osborne, no livro “A História de B”, de Daniel Quinn.
Prefácio
Isto sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
como o sangue
que une uma família…
Tudo o que acontece com a Terra,
acontece com os filhos e filhas da Terra.
O homem não tece a teia da vida;
ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
ele faz a si mesmo.
— Ted Perry, inspirado no Chefe Seattle
Este é um romance de ficção. Mas também pode ser um ensaio literário. Uma ideação sobre a intrincada teia da Amizade. Ao pesquisar sobre o tema Amizade, em 2017, pude constatar o quanto é ambíguo este sentimento, onde cada vínculo é singular, mas onde também encontramos a variação exuberante de sua natureza e profundidade.
Em busca da essência da Amizade temos a noção de que ela é um sentimento que nasce naturalmente do entrelaçamento social e emocional, como uma obra da natureza esculpida ao longo do tempo pelo vento. Me aventurar na busca por compreender o significado dessa amálgama de sentimentos, foi uma jornada de autoconhecimento que me ajudou a refletir sobre as interações humanas ao longo do tempo.
Nesse mosaico cultural e histórico, percorri diferentes culturas e épocas, desvendando as diversas facetas da amizade. Apoiado em vários livros e artigos fui guiado pelos caminhos da mitologia, filosofia, literatura e arte, que me ajudaram a tecer uma tapeçaria humana com nós únicos e de beleza ímpar.
Na condição de um aprendiz de pensador, a lente filosófica trouxe luz e contribuiu para examinar a amizade sob um prisma enriquecedor. Não apenas questionando o que a amizade é, mas também porque ela tece laços tão fundamentais e como podemos ser tecelões habilidosos na teia dessas relações.
O que teria respondido Sócrates se um cidadão romano, invertendo os papéis de mestre e pupilo, tivesse primeiro lhe perguntado o que é a amizade? Como ela é parida?
Usando a alegoria da maiêutica socrática, comparando a invenção da amizade a um parto de compreensão mais profunda, busco assim, abrir as portas para uma jornada na qual as suas próprias ideias serão os recém-nascidos, trazidos à luz por meio de questionamentos e reflexões.
Percorrendo a rede de nós da teia da vida, tento entender a influência de elementos como confiança, empatia, comprometimento e os obstáculos, que criam esta intrincada rede de conexões humanas que chamamos de Amizade.
Pensar sobre a amizade não apenas alimenta a mente, mas também tem o poder de transformar a visão de mundo, numa tentativa de desvendar como essa viagem pode deixar marcas profundas em nossa compreensão sobre SER e TER amigos.
Te convido a se engajar ativamente com as reflexões e pistas que a “Amistad” apresenta neste livro, instigando-o a sondar suas próprias vivências e a avaliar o papel singular da amizade em sua teia da vida.
A busca da invenção da amizade não é uma jornada para o passado, mas sim uma exploração contínua da sua essência.
Estamos, como guias e amigos, oferecendo a chance de cocriar essa ideia, onde você é convidado a explorar e definir a amizade por si mesmo.
Gonçalves Junior
Agosto de 2023
Primeiro dia
A entrada da professora na sala foi marcada por um suave e bem pronunciado “boa tarde” dirigido aos alunos enquanto ela caminhava até a mesa. Colocou sua bolsa sobre a cadeira e encostou uma pequena mala com rodízios, dessas comumente usadas como bagagem de mão em viagens aéreas. No quadro branco, com um pincel azul, escreveu em letras garrafais: AMIZADE.
Sentado no fundo da sala, observei os alunos trocarem olhares e alguns até expressaram sorrisos maliciosos. A professora permaneceu de costas para a turma, como se antecipasse a reação dos estudantes, aproveitando aquele momento e prolongando-o além do necessário enquanto reforçava a tinta em cada uma das sete letras. Todos nós já sabíamos que Amistad Fierro era filósofa, mestra pelo programa de pós-graduação em História Social da Cultura e pós-doutorado na Universidade de Madri. Com um currículo tão relevante e para alunos de um curso de filosofia, era óbvio que ela não traduziria seu nome para o português. Curioso com o que estava por vir, ajustei-me na cadeira. Ao se virar para a turma, ela disse:
— Caros alunos, antes de tudo, quero registrar minha alegria em iniciar este primeiro semestre do curso de Introdução à Filosofia e ter a oportunidade de conhecê-los. Ao final dos seis meses, espero que possamos nos reconhecer como amigos e que a Coruja de Minerva alce voo ao entardecer. Gosto que me chamem de Amistad, e desde já, sintam-se dispensados de qualquer formalidade. Vocês escolheram buscar conhecimento, e asseguro que nesta caminhada estou pronta para poupa-los de passos perdidos no vazio. Não vejo necessidade de apresentar meu currículo ou contar a história da minha vida neste momento. Com o decorrer dos trabalhos, teremos tempo mais que suficiente para nos conhecermos, o que me leva a propor a dispensa de uma autoapresentação.
Fez uma pausa, inspirou e expirou pela boca antes de concluir:
— Silêncio de aprovação. Então, vamos ao trabalho.
Não me contive e levantei a mão.
— Sim? – ela disse.
— Notei que seu nome e sobrenome são hispânicos, e você fala português sem sotaque. O metal é europeu ou latino-americano?
— Hum?! — ela balbuciou e sorrindo levemente disse:
— Temos alguém que aprecia metáforas. A liga é espanhola por parte de pai e argentina por parte de mãe. Meu pai sempre foi apaixonado por literatura, tendo lido o Martín Fierro de José Hernández e as obras de Borges. Sendo Fierro, obviamente, meu primeiro nome só poderia ser Amistad. Sou carioca, nascida em Botafogo.
— Muito obrigado!
Ela se virou para o quadro e começou a escrever. Ao estimar sua idade entre 40 e 45 anos, com uma altura aproximada de 1,65 a 1,70 metros, percebi seus cabelos pretos levemente cacheados tocarem os ombros. As sobrancelhas se destacavam em seu rosto moreno, onde os olhos pretos, pequenos e amendoados, emanavam uma aura intrigante. Bochechas, nariz, boca e queixo harmonizavam-se num rosto em formato de diamante. Seu corpo bem delineado indicava que provavelmente frequentava regularmente uma academia de ginástica. Vestia um elegante vestido tubinho com recortes e estampa geométrica, além de calçar sapatos em dois tons de vermelho escuro, com salto. Eu a consideraria a rainha da bateria do bloco carnavalesco “Filósofos de Miss Amistad”.
(…)
Refletindo sobre isso e como eu poderia vencer o desafio de ensinar as pessoas a amar o saber, ocorreu-me que também não somos ensinados a fazer amigos, (…).
Com a palavra os leitores
Ser escritor nunca é uma caminhada solitária. Tenho os personagens, os incentivadores e os primeiros leitores – e isso me basta!
Parabéns…. Curiosa pra ler.
Olá primo! Assim que for lançado me avise, gostaria de adquirir!
Abraço!
Primeira impressão impactante ????
História interessante que nos leva a refletir sobre a amizade e, principalmente, a sua importância e a descoberta dos verdadeiros amigos. Nos faz pensar quem são nossos verdadeiros amigos.